“Teremos um universo de míopes no próximo século”.
A afirmação é do oftalmologista Marcos Alonso Garcia, que faz um alerta sobre o aumento recente de casos da doença entre crianças e adolescentes, no Brasil e no mundo.
Para ele, esse crescimento fará com que a miopia torne-se, em breve, uma epidemia, atingindo tanto as famílias, onde a prevalência genética já influencia na ocorrência de novos casos, quanto naquelas que não têm registros da doença. Segundo Alonso, hoje, o meio onde se vive tem sido um fator gerador tão (ou mais) relevante para se desenvolver miopia do que a hereditariedade.
“Antes, falava-se muito sobre a criança ter miopia por conta de os pais também terem. Hoje, o meio influi tanto quanto, e isso está fazendo com que toda uma nova geração de míopes apareça, mesmo naquelas famílias sem casos anteriores da doença”, alerta.
A afirmação do médico encontra base em estudos realizados recentemente sobre o tema. A Organização Mundial da Saúde (OMS), por exemplo, estima que até 2050 metade da população global será míope (atualmente esse número é de 1 bilhão de pessoas). Já a Academia Americana de Oftalmologia (AAO) divulgou, em fevereiro, pesquisa onde revela que a prevalência da doença no Brasil deverá quase que dobrar em 30 anos: de 27,7% da população, em 2020, para 50,7%, em 2050.
Celulares e tablets
Um dos fatores que têm causado esse aumento desenfreado nos casos de miopia entre crianças e adolescentes, segundo Marcos, é o acesso indiscriminado dos jovens à tecnologia, principalmente a ferramentas como smartphones e tablets, que são acessados à curta distância dos olhos. “As crianças deixaram de sair de casa, preferindo atividades indoor, e com isso deixam de estimular a visão de longe, o que acaba acelerando a ocorrência da miopia, e aumenta seu nível de gravidade”, alega.
Por conta disso, o oftalmologista também faz uma associação socioeconômica do grau de prevalência de miopia de crianças e adolescentes: para ele, quanto maior a escolaridade e o nível de vida intelectual, maior a chance de se ter um jovem míope na família.
“A ocorrência de miopia entre crianças de famílias das classes A, B ou C é maior, pois devido ao seu padrão de vida, elas normalmente mexem com tecnologia mais cedo, e mais frequentemente. Também acabam se prejudicando porque podem ter uma atividade física reduzida, além de não se policiarem ao estudar, mantendo pouca distância entre os olhos e o livro”, afirma, completando que até mesmo o local onde as famílias residem faz diferença.
“A chance de uma criança que mora em São Paulo desenvolver miopia é maior do que em Mato Grosso, por exemplo, por causa do nível e intensidade de acesso às tecnologias”.
Um caso real
Na família de Verônica Doncev, 38 anos, moradora do bairro da Aviação em Praia Grande, problemas de visão nunca foram uma preocupação muito grande. Ela tem astigmatismo e hipermetropia, e seu filho mais velho, Matheus, de 21 anos, teve astigmatismo na adolescência. Já os dois mais novos, Nasser, de 10 anos, e Noureddine, de 7 anos, possuem a visão perfeita.
O acesso da família a ferramentas mobile, no entanto, é recente. “Nós viajamos aos Estados Unidos em 2012 e compramos um iPad. Foi nosso primeiro aparelho móvel. Antes disso, só o computador fixo”, conta ela, completando que nos primeiros anos o uso por parte das crianças era limitado: “Nessa época, o Nasser tinha 4 anos, e o mais novo, 1 ano. Eles usavam mais para os joguinhos, porque o Youtube não tinha muita coisa para a idade eles”, alega.
Mas os anos passaram, e hoje a situação é diferente: ambos têm seus próprios smartphones, e Verônica procura dar alguma autonomia para que ambos controlem seu próprio tempo de consumo, fazendo um monitoramento mais pontual quando ambos precisam cumprir alguma tarefa, como lição de casa. “O Nasser hoje tem 10 anos, e fica muito tempo no celular, às vezes tempo demais. Foca muito na internet. Quando a gente sente um excesso, tiramos o telefone dele algum tempo, quando tem crianças em casa o incentivamos a interagir, pois sabemos que ficar só mexendo no aparelho é ruim para ele”, afirma.
Já com o filho mais novo, o cenário muda um pouco: “O Noureddine tem 7 anos agora, e divide mais o tempo, também gosta de brincar com brinquedos”, afirma.
Preocupações e prevenção
Verônica usa o exemplo do filho mais velho, Matheus, para ficar de olho em qualquer possível problema com a visão dos mais novos. “Ele começou a ter dor de cabeça quando via desenho”, diz. Atualmente, além disso, ela leva as crianças ao oftalmologista para exames de rotina a cada dois anos.
O acompanhamento, para ela, é importante, pois o smartphone a ajuda a manter as crianças mais calmas, para que ela possa cuidar dos afazeres domésticos. Verônica diz que o celular é uma forma de tranquilizá-los, pois hoje vê mais segurança em deixar as crianças brincarem na rua, como ocorria no passado.
Para Marcos, no entanto, essa seria a melhor maneira de evitar a previsão da explosão no número de casos de miopia no Brasil e no mundo: recolocar as crianças em atividades outdoor, ou seja, fora de casa. E, segundo ele, isso deve ser feito justamente na infância – quanto mais cedo, melhor.
“Quando o jovem atinge a adolescência, a miopia já está estabelecida e não há muito o que fazer. No entanto, quando a criança tem 6 ou 8 anos, os pais ainda podem ‘forçar’ algumas atividades, e é nesse momento que entram as brincadeiras lúdicas, que poderão ajudar a prevenir a doença”.
Ainda segundo ele, isso pode ser feito, por exemplo, levando a criança para parques ou qualquer outra atividade esportiva, onde ela possa estimular sua visão de longe – o que é fundamental para evitar a condição. Além disso, o oftalmologista alerta para que os pais tentem evitar usar a tecnologia como distração para as crianças.
“Muitos pais chegam cansados em casa, quando os filhos pedem atenção, e usam os celulares e tablets como forma de distraí-los para que possam descansar. Mas isso pode estimular a ocorrência de miopia, ou mesmo agravar seu desenvolvimento. Por isso, a tecnologia deve ser usada com cuidado”, completa.
O oftalmologista finalizou citando um caso ocorrido na China, e esclarecendo que medidas radicais como as adotadas lá não são necessárias. “A miopia entre adolescentes até 18 anos em países da Ásia, como a China, chega a 84%, a ponto de uma escola instalar barras de ferro nas carteiras para forçar os alunos a manter a distância adequada entre os olhos e os livros. Isso chega a ser cruel, e não é necessário para prevenir a miopia”, finaliza.