Com altos impactos na saúde humana e no meio ambiente, os venenos proibidos ultrapassam fronteiras do país, como indicam as apreensões da Polícia Rodoviária Federal
Em uma fiscalização rotineira da Polícia Rodoviária Federal (PRF), na BR-364, no município de Santo Antônio do Leverger (MT), sul do estado, foi identificado um caminhão que levava 200 caixas de um material apresentado em embalagem de fertilizantes, produto que geralmente não é nocivo aos seres humanos e tem por função nutrir o solo para a agricultura. No entanto, bastou uma análise mais precisa, como a verificação da consistência do material, para os policiais constatarem que o caminhão transportava sacos de agrotóxicos ilegais.
A fiscalização ocorreu em junho deste ano e o que se anunciava como fertilizante era, na verdade, Benzoato, um tipo de inseticida que atua no controle de larvas de lagartas. Na maioria das vezes, esse produto tem como origem o país vizinho, o Paraguai. Detido e encaminhado para a delegacia, junto com a carga apreendida, o motorista do veículo afirmou que tinha sido contratado para transportar os produtos, embora não soubesse a procedência do conteúdo.
Casos como esse se inserem no mercado ilegal de agrotóxicos, que já representa 25% dos produtos comercializado em todo o país, segundo estimado por uma pesquisa do Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras (Idesf). Entre as práticas mais comuns, associadas a essa atividade, se destacam roubo, falsificação, desvio da finalidade do uso e contrabando, variantes que se entrelaçam, configurando o crime de uso de produtos proibidos nas lavouras do país.
Em outra situação, ocorrida em março deste ano, em Campo Novo do Parecis, ao norte de Mato Grosso, uma ação deflagrada conjuntamente pela Polícia Civil e o Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (Mapa) apreendeu 580 quilos e mais de 9,4 mil litros de agrotóxicos que estavam escondidos no armazém de uma cooperativa. Na operação, foi constatado que parte do material estava vencida e outra era considerada de comercialização proibida no país. O produtor foi preso em flagrante e autuado por crime ambiental, sendo aplicada fiança de R$ 50 mil nesse caso.
As táticas para transporte de produtos ilegais também são encontradas em rotas de todo estado e nas principais rodovias do país. De acordo com a PRF, de 2018 até julho deste ano foram apreendidas cerca de 177 toneladas de agrotóxicos nas rodovias federais de Mato Grosso. Os produtos mais presentes nesses casos foram Paraquat, Benzoato e Tiametoxam, comumente usados em lavouras de soja e milho.
Ilegalidades a perder de vista em mercado lucrativo
O agrotóxico para ser considerado ilegal, sumariamente, pode ser classificado a partir dos produtos que não têm registro na lista do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis(Ibama) e constam na lista de ingredientes químicos proibidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária(Anvisa).
Segundo o estudo do Idesf, a maior parte dos crimes está relacionada ao contrabando. Essa mesma fonte indica que os fatores para aumento de interesse nesse mercado ilegal envolvem a acentuada margem de lucro, além da facilidade de comercialização e de penalidade branda em comparação com outros tipos de ilícitos.
A situação é tão preocupante que Luciano Barros, presidente do Idesf, afirma que o transporte dos agrotóxicos de outro país para o território brasileiro já representa mais da metade do mercado ilegal. “O contrabando domina praticamente esse mercado ilegal no Brasil, em torno de 65 a 70%. Outros 30% são falsificação e desvio de finalidade de utilização. Muitas vezes há uma importação legal, mas há um desvio de finalidade. O roubo também tem sido crescente ao longo desses anos no Brasil”, alerta.
Eunice Aquino, engenheira agrônoma e fiscal no Programa de Agrotóxicos do Instituto de Defesa Agropecuária do Estado de Mato Grosso (Indea-MT), ressalta que, geralmente, as ilegalidades encontradas pelo órgão são de produtos sem cadastros e com prazos de validade vencidos. “Ou até mesmo de produtos domissanitários para uso agrícola, que nesse caso não se aplica – muitas vezes produtos específicos para uso de instituições e empresas especializadas”, pontua. Este último caso é o chamado desvio de finalidade, quando o uso de substâncias registradas é para uma determinada cultura, mas é aplicado em outra.
Nos processos que envolvem produtos frutos de contrabando, roubo, furto ou falsificação, é aberto um inquérito policial que pode ser instaurado pela Polícia Civil, Polícia Federal ou Polícia Rodoviária Federal.
Por onde mais trafegam os agrotóxicos ilegais
A BR-163, que liga as cidades de Tenente Portela, no Rio Grande do Sul, a Santarém, no Pará, é a rota campeã em apreensões de agrotóxicos ilegais no Brasil. São mais de 54 mil quilos interceptados em pouco mais de três anos no seu trajeto. A rodovia é um dos acessos à fronteira com o Paraguai, em Dourados, no Mato Grosso do Sul. Além disso, corta o Mato Grosso, alcançando o norte do estado, onde há cidades como Sorriso e Sinop, reconhecidas como polos de produção agrícola e potenciais consumidoras de venenos.
Na posição de segundo lugar onde mais ocorrem apreensões está a BR-116, rodovia que liga Fortaleza, no Ceará, até Jaguarão, no Rio Grande do Sul, na fronteira com o Uruguai, registrando volume de 28,1 toneladas, o que representa 13,1% dos agrotóxicos ilegais apreendidos em igual período. Essa estrada se apresenta de forma paralela à BR-163, revelando outros destinos do veneno ilegal distribuído no país, como a região Nordeste.
Fonte: O Eco