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‘É preciso metáfora nestes tempos em que dizer o óbvio virou crime’, afirma o colunista de Oeste

Imaginem um paciente em estado terminal de câncer. A metástase se espalhou por todo seu corpo. Os sinais da doença e da proximidade da morte são visíveis. O paciente nega a doença. Mais: nega a fazer a quimioterapia, única maneira de remota possibilidade de se salvar. A despeito de diagnóstico preciso, o paciente procura a opinião de charlatães que lhe prescrevem uma dieta frugal para atenuar os sintomas. O paciente, por óbvio, vai morrer iludido. E em dor. Assim o Brasil que sofre de metástase da ditadura que devora todos os órgãos da República. Assim o brasileiro que nega estar na ditadura respirando o ar podre do cadáver da democracia diante de seu nariz. Assim os juízes, políticos e influenciadores que prescrevem uma dieta frugal para amenizar a morte iminente da democracia brasileira. Pra acrescentar à metáfora, os agentes cancerígenos que destroem as células da República são os mesmos que alertavam para o risco de uma ditadura no tempo em que éramos livres. Traduzindo: no tempo do governo Bolsonaro, o futuro ditador prometido por estes agentes cancerígenos, a liberdade abundava. No tempo de agora, de Lula, o corrupto solto pelos agentes do câncer, a liberdade morre diante do corpo apodrecido da verdade. Verdade esta dita pelo próprio Lula, que dizia que iria perseguir pessoas, aparelhar o Estado, regular meios e redes de comunicação. A verdade exposta, crua, na frente do paciente país, foi tomada como mentira. A mentira exposta, fedendo à grande mídia tendenciosa, outro agente cancerígeno, colou no paciente brasileiro que agora corrói seu próprio corpo pelo câncer que ajudou a alimentar.

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É preciso metáfora nestes tempos em que dizer o óbvio virou crime. Seria um crime contra as instituições dizer que a confirmação imediata da mesa diretora da Câmara da cassação de Deltan Dallagnol foi, na verdade, um crime contra a jurisprudência mais óbvia e contra a república? Deltan combateu a corrupção desde sempre. O presidente da Câmara, Arthur Lira, se indignou com a cassação sumária do parlamentar e disse que só a Câmara tinha direito de cassar os seus. Coincidentemente após a justiça suprema botar na mesa um processo de década atrás sobre corrupção passiva, o silêncio anuente de Lira cortou a cabeça de Deltan. Coincidência? Só os ingênuos creem em coincidências políticas no Brasil. Três cânceres antigos: a chantagem, o medo e a troca de favores movem decisões da República brasileira desde sua fundação. Não matam, mas mantém o paciente em eterna sobrevida por aparelhos. Agora estes sub cânceres servem a um imperador supremo que os comanda e pode comandar o futuro cadáver obediente. Todos sabem o que ocorre. Ninguém tem coragem de dar um pio. Todos têm medo. Os poucos que falam são ceifados ou esperam a degola diante do silêncio covarde da maioria. Juristas, jornalistas, influenciadores, políticos. Quase todos com medo de expor o óbvio. Sem coragem para enfrentar o medo que cortará fatalmente suas cabeças. Assim como a própria Câmara começou por cortar lá atrás a cabeça de Daniel Silveira, hoje preso, com perdão presidencial cassado, para entregar a cabeça da autonomia da própria Câmara ao líder supremo. Medo. Covardia. E — no caso de Deltan — oportunismo em ajudar a cassar quem caçava a corrupção da maioria dos corruptos que abundam no Legislativo. A ditadura suprema tem método — ela dialoga democraticamente com os interesses escusos dos políticos que enxergam a sobrevivência de seus próprios umbigos. Todos veem isso. E fingem que não veem. Por cálculo errado ou cegueira estratégica mesmo. O câncer come solto em cima das duas patologias.

O ex-presidente Jair Bolsonaro sofre de ambas as patologias. Finge — para si mesmo ou pra todos — que não há uma ditadura cancerosa querendo devorar a ele e todos em seu redor e todo o espectro da direita brasileira. Fala normalmente do processo de inelegibilidade que vai torná-lo um cadáver político a céu aberto. Fala com normalidade do arcabouço fiscal que vai devorar o corpo do empreendedorismo brasileiro e comer a renda e o emprego brasileiro, com ajuda de votos e consciências compradas dos próprios parlamentares da direita. Sequer menciona os prisioneiros políticos entre jornalistas, políticos, comediante, cacique indígena, pastor evangélico, senhoras, cidadãos de todos os tipos, presos por crime de opinião ou por estarem no lugar errado que foi o certo para os agentes cancerígenos da ditadura lhes alcançarem. O ex-presidente nega o câncer que come a República e vai devorar a ele mesmo. “Ah, Adrilles, você quer que o presidente perseguido faça o que?”. Simples: fale a verdade: que há uma ditadura persecutória no Brasil; que os juízes e políticos ocupantes das instituições que mais falam em democracia hoje perseguem a democracia, perseguem pessoas. O discurso puro e simples da afirmação da verdade que expõe o câncer ditatorial que come o corpo da República brasileira poderia produzir a coragem de outras pessoas de dizerem o óbvio e enfrentar este câncer óbvio que atinge a democracia brasileira. “Ah, Adrilles, assim a Justiça vai destruir quem faz este discurso” . Jura? E o que a justiça brasileira está fazendo agora com os que passam pano para a falsa verdade suprema? Ser complacente com o carrasco ditatorial que quer lhe cortar a cabeça é ser dócil com o câncer que lhe devora o corpo.

Menos metáforas. Mais realidade. Exemplo factual. Quase todos intuem que a invasão do 8 de janeiro beneficiou o governo petista e o Judiciário em seu discurso de demonização de toda a direita brasileira; todos viram o chefe do GSI recebendo e orientando as invasões; todos intuem que o governo foi alertado sobre a invasão; todos sabem que o governo adulterou documentos que alertavam sobre a invasão; todos intuem e quase todos sabem que o Judiciário supremo tinha acesso a todas estas informações. Mas a relatora da CPI destas invasões diz que quem contestar a verdade do governo e da suprema Justiça será preso. De fato: todos hoje no Brasil sabem que dizer uma verdade inconveniente ao câncer ditatorial pode custar prisão e silenciamento. Então quase todos negam dar o tratamento da quimioterapia óbvia: a verdade exposta. A verdade exposta que há um estranho arranjo entre mídia, Judiciário e governo para espalhar o câncer ditatorial em toda a República dizendo que o próprio câncer que espalham é a cura para a doença que criaram. Ora: espalhando a verdade, empunhando a verdade, o corpo brasileiro unido poderia reagir ao Estado canceroso que o destrói, uma vez que o povo unido é muito maior que qualquer estado criado para proteger este povo e que hoje está anulando seu próprio povo; que anulando os próprios pilares da democracia que jura defender.

O rei está nu. Todos veem o rei pelado. Quase ninguém tem coragem de ver o corpo putrefato do rei carcomido pelo câncer da tirania que quer devorar os olhos e a língua de todo brasileiro que enxerga — e nega — o óbvio. Enquanto não houver um que se some a outro para apontar o horror do câncer desnudado do rei, o câncer desnudado da tirania vai negar nossos olhos. E nos adoecer a todos com o câncer da covardia que abençoa a ditadura que come o corpo nu da nossa democracia destroçada. Ainda é tempo de ver, e falar com nossos olhos. E agir.

Fonte: Revista Oeste
Autor: Adrilles Jorge

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