Quase cinco mil búfalos selvagens vivem sem monitoramento e controle causando desequilíbrio ecológico em pelo menos três reservas ambientais de Rondônia. Extinção de espécies nativas, mudança no curso dos lagos e redução da vegetação são algumas consequências da presença dos animais classificados como “exóticos” e invasores.
O rebanho inicial era composto por pouco mais de 60 animais. Eles foram locados, há mais de 50 anos, na Fazenda Pau D’Óleo, uma área biológica experimental do Vale do Guaporé, por meio de um projeto dos administradores do Território Federal do Guaporé (nome de Rondônia antes de ser considerado Estado).
O objetivo do projeto era criar os animais para comércio e consumo da carne e do leite, além de ajudar na força de tração (mover aparelho ou máquina com força animal), como forma de movimentar a economia local. No entanto, o projeto foi abandonado por “não apresentar o resultado esperado”, segundo o governo de Rondônia.
Os búfalos selvagens de Rondônia são nativos da Ásia. Eles chegaram primeiro na Ilha do Marajó, de onde foram transportados para a Fazenda Experimental Pau D´Óleo, por volta de 1950.
A pequena população de búfalos encontrou no Vale do Guaporé o ambiente perfeito para a reprodução. Atualmente, estima-se que existem quase cinco mil cabeças.
O rebanho se espalhou, invadindo outras áreas de conservação do estado, incluindo a Reserva Biológica (Rebio) Guaporé e a Reserva extrativista (Resex) Pedras Negras. Além disso, existem indícios de que os animais também migraram para a Bolívia, país que faz fronteira com Rondônia, segundo a secretaria de Estado do Desenvolvimento Ambiental de Rondônia (Sedam).
A Sedam afirmou que não existe nenhum projeto de monitoramento, controle e erradicação dos búfalos em andamento por parte do governo de Rondônia. Enquanto isso, o rebanho solto continua causando alterações ambientais nas áreas protegidas.
Sem controle e monitoramento, o rebanho começou também a devastar áreas da Rebio Guaporé e Resex Pedras Negras, ambas às margens do rio Guaporé, nas proximidades da fronteira com a Bolívia.
No Estado do Pará e em outras regiões de Rondônia, no entanto, a situação é bem diferente: os búfalos são domesticados e contribuem para a economia local. Segundo a Agência de Defesa Sanitária Agrosilvopastoril do Estado de Rondônia (Idaron), no Estado de Rondônia existem mais de seis mil búfalos domesticados que pertencem a produtores rurais.
Animais selvagens?
“Quando os animais são abandonados e se reproduzem em um ambiente sem acompanhamento humano, naturalmente adotam um estilo de vida feroz. Todo animal antes de ser domesticado era selvagem. Eles voltaram à origem”, explica.
De acordo com a analista, esses animais vivem em grupos, com machos alfas extremamente ferozes que protegem sua manada. Além disso, eles são considerados “espécie exótica invasora”, pois estão fora da sua área de distribuição natural e ameaçam hábitats, serviços ecossistêmicos e a diversidade biológica, causando impactos em ambientes naturais.
Lidiane França descreve as primeiras áreas ocupadas pelos búfalos na Rebio do Guaporé como um “deserto escrito”: a alta vegetação nativa “sumiu” (veja na foto acima). “Você olha de cima e acha que é rio. Nesses locais não cresce mais nada”, aponta Lidiane.
A presença desses animais causam danos à vegetação, eles pisoteiam e derrubam de árvores jovens, provocando desequilíbrio ambiental e ameaça à existência de espécies nativas, que precisam competir por espaço e alimento.
Essas alterações impactam três reservas ambientais do estado:
- Reserva de Fauna Estadual Pau D’Óleo, criada recentemente com o objetivo de proteger a fauna nativa da região.
- Reserva Biológica do Guaporé, uma unidade de proteção integral com 615,7 mil hectares, criada para preservar espécies nativas e os ambientes alagados;
- Reserva Extrativista Estadual de Pedras Negras, protege os meios de vida e a cultura de populações tradicionais, que possui cerca de 124,4 mil hectares.
Atualmente, a Reserva Biológica do Vale do Guaporé enfrenta graves consequências causados pelos búfalos. Eles mudam o curso dos lagos que passam pela área protegida e criam novos “canais”. Isso é causado por um comportamento natural da espécie: andar em fileiras. Os canais criados pelos animais alteram o fluxo da água e acabam comprometendo uma das principais características do ambiente, explica a analista.
- Extinção de espécie nativas locais;
- Redução e mudança de composição na biomassa vegetal;
- Compactação e erosão do solo;
- Mudanças na hidrologia de superfície, incluindo redução da retenção de água doce em bacias de inundação e o aumento da turbidez em corpos d’água.
A antiga Fazenda Pau D’Óleo agora se chama Reserva de Fauna Pau D’Óleo, após ser transformada em Unidade de Conservação Estadual de Uso Sustentável em 2018. Ela está sob a responsabilidade da Sedam. No entanto, até o momento, não foram implementadas iniciativas de conservação ou manejo sustentável associadas a esses animais.
Afinal, por que os búfalos ainda permanecem na região?
Um Projeto de Lei sancionado em 2016, pelo então governador Confúcio Moura, tinha o objetivo de regulamentar o abate de búfalos no Vale do Guaporé para conter o impacto causado pelos animais nas atuais Refau Pau D´Óleo e Resex Pedras Negras.
A legislação, que autorizava o abate de 5 mil búfalos de reserva, previa que o processo fosse supervisionado pela Agência de Defesa Agrossilvipastoril de Rondônia (Idaron) e pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).
No entanto, segundo a Sedam, a Rebio Vale do Guaporé, por ser uma Unidade de Conservação Federal, não estava sob a jurisdição estadual para atuar nessa questão, o que levou a lei ao “esquecimento”. A Sedam, em nota, esclareceu que ainda não iniciou a remoção dos animais.
Atualmente, a secretária ambiental está conduzindo um levantamento bibliográfico para propor estratégias adequadas ao contexto, visando o controle e erradicação da população de búfalos asselvajados nas Unidades de Conservação Estaduais em questão.
A Rede Amazônica procurou a Secretária de Estado da Agricultura (Seagri), o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (Icmbio) e o Ministério do Meio Ambiente em busca de posicionamento, mas não obteve retorno até a última atualização desta matéria.
Fonte: Portal Amazônia