Boletim do Observatório Socioambiental de Rondônia revela pressão crescente sobre áreas protegidas e territórios tradicionais no estado.
O mais recente boletim do Observatório Socioambiental de Rondônia, edição Junho de 2025, traz um retrato preocupante sobre os riscos de desmatamento no estado para o próximo ciclo do chamado “calendário do desmatamento”, que compreende o período entre agosto de 2025 e julho de 2026. Utilizando dados gerados pela plataforma PrevisIA, desenvolvida pelo Imazon, o boletim apresenta uma previsão de mais de 54 mil hectares sob risco de desmatamento em Rondônia, colocando o estado como o quinto mais ameaçado da Amazônia Legal.
Do total previsto, mais de 2.300 hectares estão classificados como de risco alto e muito alto, sinalizando áreas com probabilidade elevada de perda de cobertura florestal no intervalo do calendário do desmatamento. O modelo preditivo da plataforma, que tem média de acerto de 73% nos últimos anos, combina estatística espacial e inteligência artificial para mapear regiões vulneráveis com base em vetores de desmatamento, como abertura de estradas ilegais, proximidade de rios e áreas protegidas, relevo e indicadores socioeconômicos.
Foto: Acervo Observatório Socioambiental de Rondônia
Municípios sob maior risco
Entre os municípios da Amazônia legal, Porto velho se destaca negativamente. Com mais de 15.500 hectares sob risco, ocupa a 3ª posição entre todos os municípios da região. A situação é ainda mais alarmante: é também o município com a maior área classificada como risco alto de desmatamento em todo o bioma.
Outros cinco municípios rondonienses figuram entre os 100 mais ameaçados da Amazônia Legal:
Candeias do Jamari: 4.550 hectares (34ª posição),
Nova Mamoré: 3.121 hectares (59ª),
Machadinho do Oeste: 2.722 hectares (67ª),
Cujubim: 2.681 hectares (68ª),
Pimenta Bueno: 2.074 hectares (86ª).
A concentração do risco nestes municípios exige respostas imediatas dos órgãos públicos, especialmente no que tange à fiscalização, regularização fundiária e controle de atividades ilegais.
Áreas protegidas em xeque: Terras Indígenas, Unidades de Conservação e Territórios Quilombolas sob pressão
O avanço do desmatamento não se restringe apenas às áreas não protegidas, o boletim dedica atenção especial à situação de territórios indígenas, quilombolas e unidades de conservação, que, apesar de sua função socioambiental, seguem sendo alvos recorrentes de pressões ilegais e negligência institucional.
Terras Indígenas
Dez terras indígenas de Rondônia aparecem entre as mais ameaçadas da Amazônia Legal. Juntas, somam centenas de hectares sob risco de desmatamento. Os maiores focos são:
Terra Indígena
Área sob risco (ha)
Densidade (ha/km²)
Ranking
Karipuna
402
0,263
21º
Parque Aripuanã
400
0,025
22º
Sete de Setembro
395
0,159
23º
Uru-Eu-Wau-Wau
390
0,021
25º
Igarapé Lage
232
0,217
38º
As TIs Karipuna e Igarapé Lage são as mais críticas, não apenas pela extensão do risco, mas pela alta densidade de desmatamento em relação ao tamanho dos territórios. Ambos são constantemente invadidas por grileiros e alvos de loteamento ilegal, o que intensifica a vulnerabilidade de seus povos.
Territórios Quilombolas
Localizado em São Francisco do Guaporé, o Quilombo Pedras Negras aparece entre os 15 territórios quilombolas da Amazônia Legal com maior área sob risco de desmatamento, sendo 34 hectares. Embora pareça pequena, essa área tem grande impacto sobre o território tradicional, o que afeta diretamente a saúde da população local.
Fumaça cobrindo Porto Velho. Foto: Acervo Observatório Socioambiental de Rondônia.
Em 2024, durante o período de queimadas, comunidades quilombolas da região – que incluem Pedras Negras, Santa Fé, Forte Príncipe da Beira, entre outras – , registraram níveis de poluição do ar (PM2.5) até 193% acima do limite estabelecido pela Organização Mundial da Saúde, o que agrava problemas respiratórios e cardiovasculares e expõe o racismo ambiental e a negligência histórica enfrentada por essas comunidades.
Unidades de Conservação
Mesmo unidades de proteção integral enfrentam ameaças. A Estação Ecológica Soldado da Borracha lidera o ranking das UCs de Rondônia com a maior área sob risco: 2.851 hectares. Ela é alvo de revogação legislativa estadual em 2024. Além dela, aparecem:
Resex Jaci-Paraná (1.567 ha),
Parque Estadual de Guajará-Mirim (1.107 ha),
Resex Rio Preto -Jacundá (708 ha),
Parque Nacional Mapinguari (631 ha),
APA do Rio Pardo, ESEC Umirizal, ESEC Samuel, FLONA do Bom Futuro, entre outras.
A fragilidade institucional das unidades de conservação, seja por desmonte político ou ausência de pessoal para a gestão somada ao estímulo histórico de cometimento de crimes ambientais, como grilagem, permitem que o desmatamento avance mesmo em áreas legalmente protegidas, isso compromete os esforços de conservação e os direitos das populações tradicionais que as habitam.
Medidas urgentes recomendadas
Diante de um cenário de risco real, identificado com precisão e abrangência territorial, o boletim faz um chamado à ação. Entre as medidas urgentes apontadas estão:
Fortalecimento da fiscalização ambiental com bases operacionais fixas;
Mobilização e formação de brigadas de combate a incêndios (comunitárias e institucionais);
Desintrusão de áreas protegidas ocupadas ilegalmente;
Garantia da demarcação e proteção de territórios indígenas e quilombolas;
Reestruturação da política ambiental estadual, com foco na prevenção, proteção e responsabilização.
Além disso, o uso dos dados de previsão devem orientar ações coordenadas entre Ministério Público, órgãos ambientais estaduais e municipais, lideranças locais e sociedade civil organizada, com foco na redução de impactos antes que eles se concretizem.
Ecoporé: compromisso com os territórios, as pessoas e com a floresta em pé
A Ecoporé compreende que os dados apresentados neste boletim não são apenas estatísticas, mas alertas concretos sobre ameaças vividas cotidianamente por povos indígenas, agricultores familiares, quilombolas, extrativistas e outros povos e comunidades tradicionais. As áreas mais vulneráveis ao desmatamento são, em grande parte, aquelas habitadas por comunidades que desempenham um papel essencial na conservação da floresta e que, paradoxalmente, são também as que menos contam com o apoio do Estado para garantir seus direitos. A Ecoporé atua há mais de três décadas na promoção da justiça socioambiental na Amazônia.
Indígenas em caminhada durante coleta de sementes. Foto: Acervo Ecoporé.
É fundamental que as previsões apresentadas sejam utilizadas como base para ações integradas e estratégicas de proteção e fortalecimento territorial. E, articule poder público, organizações da sociedade civil, academia e os próprios povos dos territórios. Para a Ecoporé, este fortalecimento passa pelo investimento contínuo na formação de lideranças locais, apoio à autodemarcação e gestão de territórios, fortalecimento da produção sustentável, e implementação de políticas de adaptação climática e restauração ecológica.
A reversão do cenário projetado pelo PrevisIA exige não apenas fiscalização, mas sobretudo compromisso político com os direitos territoriais e com os modos de vida que sustentam a floresta em pé. É com base nessa perspectiva que a Ecoporé segue atuando e convocando a sociedade a se somar à construção de uma Amazônia viva, justa e protegida para as próximas gerações.