A plataformização das relações na vida adulta, fenômeno associado ao uso intenso da internet nas ações na vida cotidiana, tem contribuído para a constituição de uma geração de pais e mães que, imersos nas redes, exercem uma parentalidade indisponível. O comportamento alimenta a cadeia de consequências geradas pelo uso excessivo das redes: o ingresso de crianças e adolescentes nesses espaços de forma precoce, sem acompanhamento e mecanismos de controle.
O alerta para o problema foi feito durante a palestra online “Naturalizando a Proteção Digital na Infância”, realizada nesta quarta-feira (29/10), pelo Ministério Público de Rondônia (MPRO), por meio do Núcleo de Atendimento às Vítimas (Navit). A atividade foi organizada pela coordenadora do órgão, Promotora de Justiça Tânia Garcia, e teve como palestrantes representantes dos movimentos Desconecta e Safernet, a advogada Catarina Fugulin e a psicóloga Juliana Cunha, respectivamente.
Falando sobre a cultura do uso da internet, intensificado a partir da pandemia de covid-19, Catarina Fugulin lembrou que o cenário de reclusão e isolamento social imposto pela crise sanitária levou à plataformização do trabalho, das atividades domésticas e, inclusive, da educação das crianças e adolescentes, promovendo uma configuração em que a tela passou a ser gerenciadora das convivências.

“Naquele período, confinados em casa, passamos a usar nossos dispositivos eletrônicos de forma contínua e exagerada, abrindo mão das atividades fora do ambiente doméstico. Esse comportamento acabou promovendo o que chamo de parentalidade distraída”, afirmou.
Ela acrescentou que, no pós-pandemia, esse padrão se agravou e deu lugar a uma parentalidade indisponível, em que pais e mães permanecem constantemente ocupados, sem tempo para atender às demandas das crianças, como educar, brincar e cuidar.
A advogada explicou que esse cenário de hiperconectividade – de vício em dopamina, de ausências de pausas – foi sendo deslocado para a rotina infantil. Catarina Fugulin ressaltou que, no Brasil, crianças têm acessado a internet cada vez mais cedo, sendo os seis anos de idade a média etária para o primeiro acesso, uma faixa etária de extrema vulnerabilidade, conforme disse.
A palestrante afirmou que o problema é agravado, considerando-se a popularidade, entre os pequenos usuários, do uso de smartphones, aparelhos que apresentam telas em tamanhos em que o conteúdo não é facilmente visualizável pelos adultos, ao contrário da televisão.
ECA Digital
Em contrapartida ao cenário preocupante, a palestrante chamou atenção para avanços obtidos recentemente. Mencionou mobilizações recentes, encampadas por ativistas da infância, que contribuíram para aprovação de lei que busca proteger crianças e adolescentes no ambiente das redes, o chamado ECA Digital. A norma prevê dispositivos como a exclusão de recursos viciantes, como barras de rolagem infinita, inserção de ferramentas de supervisão parental de forma fácil e intuitiva.
Reforçando esse entendimento, a psicóloga Juliana Cunha ressaltou que a aprovação da lei efetiva o que está previsto já na Constituição Federal – a proteção das crianças e adolescentes como responsabilidade compartilhada, entre as famílias, Estado e sociedade.
Dando ênfase à participação familiar, Juliana Cunha falou da dificuldade alegada por muitos pais e responsáveis para lidar com o cotidiano dos filhos nas redes. Assim, advertiu que, embora, crianças e adolescentes apresentem habilidades tecnológicas para o uso de equipamentos eletrônicos, não detêm capacidade crítica para identificar os riscos.
“Nós queremos proteger as crianças na internet, mas também queremos que elas desenvolvam habilidades para lidar com situações de risco. A gente confunde risco e dano, mas uma criança pode se expor a riscos, como ser contactada por um adulto desconhecido, e a forma como ela responde pode ser decisiva para evitar danos”, destacou.
A coordenadora do Navit, Promotora de Justiça Tânia Garcia agradeceu às palestrantes do evento, afirmando que as abordagens contribuíram para a capacitação de integrantes da rede proteção da Infância e juventude na capital e interior do estado. “Que possamos estar preparados para o enfrentamento de um problema tão sério, que tem violado direitos de crianças e adolescentes”, disse.
