Fonte: Gazeta do Povo

O próximo presidente do Brasil – seja Jair Bolsonaro (PL), Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ou outro candidato – comandará país com pouco margem de manobra orçamentária. Cerca de 94% do orçamento federal está comprometido com despesas obrigatórias – como, por exemplo, salários de servidores, pagamento de aposentadorias, também investimentos obrigatórios em saúde e educação e pagamento de emendas parlamentares obrigatórias. Ou seja, são aproximadamente 6% à disposição para que o presidente decida como aplicar. E o Congresso quer diminuir ainda mais essa fatia.

A situação não é nova. A determinação de gastos mínimos para saúde e educação, por exemplo, foi firmada pela Constituição de 1988. Mas se acentuou nos últimos anos. O Congresso Nacional criou mecanismos para garantir a deputados e senadores mais controle sobre o orçamento. E esse domínio poderia ser ainda mais expressivo se alguns dos projetos dos parlamentares não tivessem ficado pelo caminho.

O “travamento” do orçamento do Brasil é um dos mais significativos do mundo. Dados de 2017 da agência Moody’s diziam que o “engessamento” na Argentina é de 85%, no Chile é de 74% e no México, de 70%. Em 2021, os EUA tinham apenas 61,3% do seu orçamento já “carimbado”.

A política de fixar o destino de parte dos recursos públicos é, segundo especialistas, positiva em alguns aspectos e prejudicial em outros. A parte benéfica vem em assegurar recursos a áreas essenciais e à garantia de direitos, o que poderia ser inviabilizado por um governo menos afeito a esses compromissos. Já a parte negativa se dá pela impossibilidade de se fazer mudanças expressivas na estrutura de gastos, se isso for necessário, e na consolidação de uma sistemática que estimula despesas ineficientes.

Como ocorreu o engessamento do orçamento

A Constituição de 1988 criou obrigações para os gastos em saúde e educação que valem tanto para a União quanto para os estados e municípios. A União precisa investir o mínimo de 18% do seu orçamento em educação e 15% e saúde. Para os estados, a exigência é de 25% em educação e 12% em saúde. E os municípios têm gasto mínimo de 15% em saúde e 25% em educação.

Há ainda os pagamentos de salários e aposentadorias ao funcionalismo, que corresponde a 53% das despesas primárias. Existem ainda outras transferências estabelecidas pela Constituição, como Fundo de Participação dos Estados (FPE) e Municípios (FPM), Fundo Constitucional do Distrito Federal, transferências do Fundeb, transferências do salário educação, transferência de royalties das compensações financeiras.

Em tempos mais recentes, as amarras passaram a ser pautadas pelas emendas ao orçamento feitas pelo Congresso Nacional. Essas emendas são indicações feitas por deputados e senadores que pedem a destinação de parte dos recursos a obras e programas indicados pelos parlamentares. O mecanismo nasceu como uma forma de aproximar o orçamento federal dos cidadãos, já que os congressistas são representantes diretos da população. Mas se tornou uma ferramenta de barganha para gerenciar o apoio do Legislativo ao presidente da República.

Em 2015, o Congresso aprovou uma emenda à Constituição que transformou em impositivas as emendas individuais dos parlamentares. Ou seja, o governo federal passava a ser obrigado a cumprir o pagamento do que havia sido solicitado pelos deputados e senadores. Em 2019, a impositividade passou a vigorar também para as emendas de bancadas estaduais – decididas pelo conjunto de parlamentares de um estado.

Outra medida que travou o orçamento foi a aprovação, em 2016, da chamada “PEC do Teto”, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limitou a evolução dos gastos públicos ao reajuste pela inflação no ano anterior, segundo o índice IPCA. Pela norma, o governo perdeu a liberdade de, por exemplo, elevar seus gastos para áreas específicas como a saúde, por exemplo – o aumento de despesas ficou restrito ao ajuste da inflação. “A emenda estabeleceu que os gastos daquele ano de 2016, um ano de crise, só seriam corrigidos pelo IPCA. Não importando se tivermos dinheiro a mais, crescimento, mais nada”, afirma a economista Maria Lúcia Fattorelli.

O economista Marcos Mendes, professor do Insper, ressalta que existem diferenças entre dois tipos de “gastos compulsórios”: os vinculados, como os porcentuais para saúde e educação, e as despesas obrigatórias, que é onde entram os pagamentos de salários e aposentadorias. Segundo ele, as despesas obrigatórias admitem um grau maior de maleabilidade, por estarem sujeitas a decisões políticas – por exemplo, a concessão ou não de reajustes aos servidores e o estabelecimento de regras mais ou menos rígidas para aposentadoria. Já as despesas vinculadas, por serem pautadas por um porcentual, são menos flexíveis e aumentam a margem de “carimbo” dos recursos públicos. As despesas vinculadas também impedem um ajuste condicionado ao aumento de impostos, por serem conectadas a um percentual da arrecadação, não a valores absolutos.

“Qualquer presidente que ganhe as eleições terá como um dos seus desafios reequilibrar o poder de decisão. Hoje, temos um Congresso Nacional com muito poder de decisão, mas com poucas responsabilidades pelas decisões que toma”, diz Mendes.

Margem de manobra poderia ser ainda menor

As amarras ao orçamento poderiam ser ainda maiores se outros mecanismos propostos por deputados e senadores tivessem sido aprovados. Durante as discussões para a elaboração do orçamento de 2023, o senador Marcos do Val (Podemos-ES) sugeriu que as chamadas emendas de relator ao orçamento também tivessem caráter impositivo. A proposta acabou sendo retirada após resistência de parte do Congresso.

As emendas de relator foram criadas há poucos anos. Trata-se de um acerto entre o relator do orçamento e o Poder Executivo. O relator do orçamento é um cargo cujo ocupante varia a cada ano, sempre alternando entre um deputado e um senador. As verbas das emendas de relator foram apelidas de “orçamento secreto” porque são pagas sem que haja critérios claros sobre os parlamentares beneficiados. A ferramenta é vista, hoje, como um elemento decisivo para que o presidente Bolsonaro consiga manter uma robusta base de apoio no Congresso.

O professor Marcos Mendes diz que, por outro lado, nos últimos anos houve algumas medidas que acabaram diminuindo um pouco as restrições do orçamento. Uma delas foi a aprovação da reforma da Previdência, em 2019. A medida reduziu em parte o montante gasto pelo governo federal em aposentadorias e pensões. Outra foi a decisão de se fazer a elevação anual do salário mínimo apenas de acordo com a inflação, sem ir além desse parâmetro. Como o salário mínimo é referência para uma série de gastos, qualquer medida a ele imposta tem efeito em cascata.

Mendes cita ainda um trecho da PEC do Teto de 2016, que impôs uma limitação aos gastos de outras esferas do poder público como o Judiciário, o Ministério Público e os tribunais de contas. “Esses órgãos passaram a ter uma barreira para aumentar suas despesas com pessoal”, destacou o professor do Insper.

Medidas de flexibilização do orçamento não avançaram

Nos últimos anos, já sob o mandato de Jair Bolsonaro, algumas propostas para flexibilizar as regras do orçamento foram apresentadas por diferentes agentes públicos próximos do governo. Mas não prosperaram no Congresso.

O senador Márcio Bittar (União Brasil-AC), que foi relator do orçamento e da chamada “PEC Emergencial”, em mais de uma ocasião sugeriu a extinção da vinculação obrigatória dos gastos com saúde e educação. Sua proposta era a de se acabar com as exigências e tornar essa fatia do orçamento efetivamente livre.

Em 2019, antes da pandemia de coronavírus, o ministro da Economia, Paulo Guedes, propôs que os gastos obrigatórios com saúde e educação fossem unificados. Ou seja: em vez de se ter um porcentual para a saúde e outro para a educação, haveria a somatória destes dois percentuais e a distribuição dos gastos dentro dessa fatia seria livre. A proposição encontrou resistência e não avançou no Congresso. Está, até hoje, parada no Senado.

O Congresso chegou a aprovar, no entanto, uma quebra pontual da regra. Foi uma emenda à Constituição, promulgada em abril deste ano, que derrubou a obrigatoriedade dos investimentos mínimos em educação em 2020 e 2021. A medida foi justificada pela pandemia de Covid-19, que demandou mais gastos em saúde e, por causa do fechamento parcial das escolas, reduziu as despesas com educação.

O que os candidatos a presidente propõem para o orçamento

Lula, Bolsonaro, Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB), os presidenciáveis que ocupam respectivamente as primeiras posições segundo a última pesquisa Quaest, tem propostas para mudar o orçamento federal.

Bolsonaro fala sobre a desvinculação de receitas em seu programa de governo. “Dessa forma, revendo gastos, desvinculando, desobrigando e desindexando as despesas, aumentar a eficiência do uso do dinheiro público para atender às reais necessidades da população brasileira, garantindo a renda básica, a educação, a saúde e a segurança”, diz o plano de governo.

Lula e Ciro dizem querer mudar as emendas de relator, chamadas por eles de “orçamento secreto”. O petista disse considerar o sistema um grande esquema de corrupção e declarou que buscará sua derrubada. Já Ciro disse que acabará com a sistemática “no primeiro dia de governo”.

O ex-presidente Lula e Ciro também propõem a “revogação do teto de gastos”. “Vamos recolocar os pobres e os trabalhadores no orçamento. Para isso, é preciso revogar o teto de gastos e rever o atual regime fiscal brasileiro, atualmente disfuncional e sem credibilidade”, diz um trecho do documento do petista. Quando presidente, Lula descartou a extinção da vinculação do orçamento para saúde e educação.

Já o programa de governo de Ciro Gomes tem na ampliação do investimento público uma de suas prioridades – e isso só poderia ser feito por meio da derrubada do teto de gastos.

Simone Tebet, por sua vez, menciona em seu programa de governo a meta diminuir “a rigidez orçamentária” e promover a “revisão de gastos ineficientes”.

Metodologia da pesquisas citada

A pesquisa realizada pelo instituto Quaest foi contratada pelo Banco Genial. Foram ouvidos 2.000 eleitores presencialmente entre os dias 1º e 4 de setembro de 2022 em todas as regiões do país. A margem de erro estimada é de dois pontos percentuais, para mais ou para menos, e o intervalo de confiança é de 95%. O levantamento foi registrado no Tribunal Superior Eleitoral sob o protocolo BR-00807/2022.

 

Fonte: Gazeta

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